quarta-feira, 15 de maio de 2013

O tempo no Bolsa Família e os resultados na educação


 por Valor Econômico 

A transferência de renda só é capaz de mudar o padrão de consumo de uma família se puder alterar o que Milton Friedman definiu em 1957 como renda permanente, ou seja, a parcela da renda com a qual a família pode contar a cada mês para suprir suas necessidades. Ela difere da renda transitória, composta por ganhos eventuais e incertos que não chegam a estabelecer um novo padrão de consumo no domicílio. Foi por alterar a renda permanente das famílias pobres que os programas de transferência de renda nos Estados Unidos geraram efeitos positivos para crianças e jovens que viviam abaixo da linha de pobreza.

A partir dos anos 1960, vários experimentos sociais e estudos longitudinais - que analisam variações nas características dos mesmos indivíduos ao longo do tempo - tiveram lugar para avaliar os impactos desses programas, que se iniciavam naquele país no que ficou conhecido como The War on Poverty (A Guerra Contra a Pobreza), deflagrada em janeiro de 1964 pelo presidente Lyndon Johnson. Embora a preocupação central dos estudos fosse avaliar possíveis efeitos adversos das transferências de renda, como o desestímulo ao trabalho, o que se revelou na verdade foi um enorme impacto das transferências de renda sobre o resultado educacional das crianças e dos jovens, desde que mantidos nos programas pelo tempo necessário para que os efeitos benéficos pudessem se manifestar em suas vidas.

Vencer a guerra contra a pobreza no longo prazo depende de manter os esforços distributivos atuais

A literatura especializada relata uma série de efeitos positivos da permanência nos programas, entre eles maior chance de os jovens beneficiários completarem o ensino médio ("high school"), redução da participação dos jovens em idade escolar no mercado de trabalho, maior número de anos de escolarização, redução das faltas às aulas, melhora da disciplina em classe e do desempenho em testes padronizados de aprendizagem. O efeito sobre a aprendizagem, em particular, revelou-se significativo após cerca de três anos de participação nos programas, sendo mais acentuado no caso das crianças que viviam em famílias mais pobres, e mais evidente para as crianças mais novas frequentando séries iniciais. As crianças beneficiadas durante a fase pré-escolar apresentaram resultados ainda mais significativos quando ingressaram na escola. Observou-se também que o valor do benefício influenciou o nível dos resultados apresentados.

A conclusão básica dos estudos experimentais e longitudinais acumulados nos últimos 40 anos nos Estados Unidos é de que os programas de transferência de renda devem ser sustentados durante o tempo em que as crianças das famílias pobres estiverem na escola. Dessa forma, os ganhos de renda podem ser assimilados como parte da renda permanente dessas famílias e afetar o ambiente familiar em favor da educação das crianças e dos jovens.

As pesquisas realizadas nos países em desenvolvimento sobre os efeitos dos programas de transferência condicionada de renda (PTCR) na educação, na saúde e na nutrição das crianças e jovens também sugerem que esses programas são fortes aliados na estratégia de combate à pobreza intergeracional. A literatura revela efeitos significativos na área de educação com respeito à matrícula na idade certa e à frequência escolar, à redução do abandono e ao aumento da promoção, à redução das desigualdades de gênero (nos países em que a educação das meninas ainda é um desafio a ser alcançado), à transição para a escola secundária e aos anos de escolarização. Recentemente, essas pesquisas sobre a experiência dos PTCR nos países em desenvolvimento passaram a apontar também efeitos no desenvolvimento cognitivo e na aprendizagem escolar, que até então, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, não haviam sido detectados.

Pesquisa sobre os efeitos educacionais do Bolsa Família concluída na Universidade de Sussex, na Inglaterra, em 2012 ("A contribuição do Bolsa Família para o sucesso educacional de crianças economicamente desfavorecidas no Brasil") sugere que o tempo de participação no programa, associado ao valor per capita do benefício pago às famílias, concorre para a melhora dos resultados escolares.

Usando o teste de Língua Portuguesa da Prova Brasil (2007), aplicado em alunos do 5º ano do Ensino Fundamental (antiga 4ª série), a pesquisa estimou que em escolas onde todos os alunos são beneficiários do Bolsa Família há uma diferença média de 11 pontos (0,62 de um desvio padrão) no exame a favor daquelas escolas onde o tempo médio de participação das famílias no programa é de três anos a mais. O mesmo estudo aponta uma redução de 14 pontos (0,85 de um desvio padrão) na diferença média dos resultados em Português entre escolas sem beneficiários e escolas com todos os alunos beneficiários quando o tempo médio de participação dos estudantes no Bolsa Família aumenta de um para quatro anos. O estudo aponta ainda que, em escolas com ampla maioria de alunos beneficiários do programa (80% ou mais), a taxa de abandono é reduzida em 0,8 ponto percentual para cada ano adicional na média de tempo das famílias no programa. E que a taxa de aprovação dos alunos do 5º ano aumenta 0,6 ponto percentual para cada R$ 1 de aumento no valor médio do benefício per capita pago às famílias.

Esses resultados corroboram a ideia de que os programas de combate à pobreza devem ser sustentados durante todo o tempo em que as crianças e jovens das famílias pobres estiverem na escola. Isso permite atenuar os efeitos adversos que a pobreza tem sobre a educação e criar oportunidades reais de permanência na escola e de melhoria de resultados escolares.

Sempre nos perguntamos o que a educação das crianças pobres pode fazer para reduzir a pobreza no futuro. Devemos começar a nos perguntar também o que a redução da pobreza das crianças pode fazer por sua educação no presente.

A guerra contra a pobreza no Brasil iniciou-se 40 anos depois dos EUA. Vencê-la no longo prazo depende de sustentar no tempo os esforços distributivos do presente. Tempo em que as crianças e jovens estão na escola, construindo o seu futuro e o futuro do país.

Armando Simões, especialista em políticas públicas e gestão governamental da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome, é mestre em política social e desenvolvimento pela London School of Economics and Political Science e PhD em educação pela Universidade de Sussex.