quarta-feira, 15 de maio de 2013

Trabalho escravo no Brasil, 125 anos depois


 por Correio Braziliense 



A Lei Áurea aboliu a escravatura no Brasil em 1888. No entanto, 125 anos depois, estamos às voltas com denúncias, investigações, comprovações e condenações de empresas que submetem seus trabalhadores à condição análoga à de escravo. Seja no campo, seja na cidade, o trabalho escravo contemporâneo, infelizmente, é triste realidade no país. Números do Ministério do Trabalho e Emprego registram que, de 1995 a 2012, 44 mil trabalhadores foram resgatados em 3,4 mil estabelecimentos inspecionados.

A exploração desmedida do ser humano por seu semelhante, motivada pela ganância e o lucro a qualquer preço, não só é moralmente vergonhosa como legalmente punível. Os marcos legais da conceituação de trabalho escravo contemporâneo estão nas esferas constitucional, criminal e trabalhista do direito pátrio. Da mesma forma, princípios e normas internacionais, como a Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratam do tema.

Aliás, o fato de o Brasil ter reconhecido a existência de trabalho escravo em seu território na década de 1990 e iniciado o efetivo combate à prática por meio dos grupos móveis, formados por auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais, tornou o país referência mundial de enfrentamento. Porém, apesar de estarmos no caminho correto, ainda há muito por fazer.

A coisificação do trabalhador, que retira sua dignidade e o torna mera ferramenta da cobiça desmedida, está em todos os lugares e nos mais diversos segmentos econômicos. No Pará, Mato Grosso, Bahia, Maranhão e Tocantins está a maior quantidade de denúncias na zona rural. Trabalhadores isolados, dormindo praticamente ao relento, sem água potável nem comida decente. Aliciados e retirados da terra natal, não sabem onde estão, já chegam devendo o transporte e não têm como voltar para casa.

Na região mais rica do país, são inacreditavelmente frequentes os casos de trabalho escravo na zona urbana. Em São Paulo, a indústria têxtil explora principalmente imigrantes ilegais, mantendo-os em alojamentos precários, com longas e extenuantes jornadas de trabalho. Os empresários aproveitam-se do medo dos imigrantes de serem denunciados à polícia e deportados. Ainda na Região Sudeste, casos envolvendo a construção civil se multiplicam. As mesmas condições subumanas em canteiros de obras, nos alojamentos sem a mínima higiene, a falta de pagamento e o aliciamento de trabalhadores sob falsas promessas.

Por oportuno, registre-se que o tráfico de pessoas está diretamente relacionado ao trabalho escravo contemporâneo, mesmo porque aumenta o número de trabalhadores traficados para a exploração no trabalho. A boa notícia são os resultados positivos provenientes da Justiça do Trabalho no combate a essa triste realidade. São muitas as condenações por danos morais coletivos e individuais, estabelecendo penas financeiras às empresas que mantêm trabalhadores em condições análogas à de escravo.

Grande empecilho para o país avançar ainda mais para erradicar essa chaga é a penalização na esfera criminal. A despeito da tipificação do crime de redução à condição análoga à de escravo no artigo 149 do Código Penal ser clara quanto a jornada exaustiva, trabalho forçado, condição degradante e servidão por dívida, processos se arrastam e há apenas uma condenação criminal transitada em julgado - pela qual o condenado cumpriu pena alternativa de doação de cestas básicas.

Somam-se a essa sensação de impunidade a falta de estrutura dos órgãos de fiscalização e ameaças preocupantes vindas do Congresso Nacional. Parlamentares comprometidos com interesses outros que não o direito ao trabalho decente e à dignidade da pessoa humana propõem projetos de lei que visam a diminuir ainda mais as chances de condenações criminais de empresários inescrupulosos ou propalam suspeitas indevidas sobre a atuação da fiscalização, além de inverdades sobre as consequências legais das autuações por trabalho escravo contemporâneo. Assim, enquanto não conseguirmos superar esses obstáculos, continuaremos a falar de trabalho escravo não como uma vergonha histórica, mas como uma atualidade trágica no Brasil do século 21.